quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ecoalfabetização

Por: Maurício Andrés Ribeiro - Autor de "Ecologizar", "Tesouros da Índia para a civilização sustentável" e "Ecologizando a cidade e o planeta". http://www.ecologizar.com.br/ / mandrib@uol.com.br


O livro alfabetização Ecológica – a educação das crianças para um mundo sustentável (Cultrix 2006), elaborado por Fritjof Capra e um grupo de professores e pesquisadores relata as visões culturais e indígenas, bem como experiências práticas de ecoalfabetização. Os autores constatam que há deficiências no conhecimento sobre a ecologia e propõem que, por meio da alfabetização ecológica, as crianças se familiarizem com os conceitos e as práticas ecológicas e compreendam o impacto que seus hábitos e estilos de vida provocam sobre o ambiente natural e social.

Entre as experiências mais inspiradoras realizadas na Califórnia nesse campo está a de repensar e colocar em prática alternativas para a merenda escolar. Todas as pessoas precisam se alimentar e esse ato básico cotidiano é fundamental também como instrumento pedagógico e educacional. Ao colocar a merenda como foco de atenção, podem-se rastrear todas as etapas do processo produtivo e das tecnologias que possibilitam que ela chegue ao prato das crianças. Os alimentos produzidos localmente reduzem os gastos de energia envolvidos nos transportes a longa distancia. é valiosa a capacidade de produzir localmente os alimentos.

As crianças podem visitar os locais de cultivo de hortas e componentes de sua merenda, conhecer o quanto de água, de terra, de agrotóxicos, de sementes, de tecnologias são necessários para produzi-la; acompanhar seu transporte, processamento, preparo na cozinha; conhecer as perdas de alimentos ao longo do sistema de abastecimento alimentar, até o seu prato. Podem aprender sobre o valor dos alimentos frescos e sem agrotóxicos para a saúde das pessoas, da terra e da água; sobre a economia de energia, sobre o solo e sua qualidade; a importância da água e do ar, dos nutrientes. Também podem saber sobre a economia rural, o comércio e a produção local e sobre a segurança alimentar e hídrica. Depois da merenda, podem acompanhar o destino dado às sobras, para onde é levado o resíduo, se ele é reciclado ou reaproveitado. Todo o ciclo do alimento, de sua origem a seu destino final, pode ser conhecido do ponto de vista técnico e cientifico, e também do ponto de vista econômico. Também pode ser estudado o seu trânsito pelo corpo, como os dejetos humanos são tratados nos sistemas de esgotos e devolvidos ao sistema hídrico. Indo um pouco alem podem aprender sobre ecologia enerética e as perdas de energia que ocorrem quando se passa de um para outro nível na cadeia alimentar, o que mostra a sabedoria ecológica de dietas alimentares vegetarianas.

Nas experiências realizadas na Califórnia, a reflexão sobre a merenda escolar levou a decisões de se privilegiar alimentos produzidos localmente, de forma orgânica, o que gerou aumento de renda e de emprego para os produtores rurais nas proximidades das escolas. Isso foi um subproduto positivo daquelas experiências.

A aplicação de um enfoque análogo em escolas brasileiras pode ser inspiradora, contribuindo para gerar renda para a agricultura familiar e para os produtores orgânicos. Entretanto, essa proposta pode se deparar com dificuldades inesperadas. Numa mesa redonda sobre educação, realizada numa cidade no interior de Minas Gerais, foi levantado o tema da merenda escolar e sua importância na ecoalfabetização. A diretora da escola revelou, então, que poderia haver dificuldades em mudar o sistema de abastecimento da merenda escolar, pois a escola tem orçamento apertado e a cantina escolar funciona como fonte de renda suplementar. A cantina vende para as crianças produtos industrializados, anunciados na TV e que têm grande demanda. A eventual mudança para uma merenda escolar orgânica e produzida localmente pelos produtores rurais do município poderia causar perda de receita vital para as escolas.

Outras situações como essa podem ser reveladas quando se colocar em foco a merenda escolar como tema para a ecoalfabetização. As dificuldades revelarão a teia de interesses já estruturada e apontarão para a necessidade de desenvolver meios e instrumentos para superá-las.

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